sábado, 15 de novembro de 2014

Olhos tristes

Os olhos dela são tristes. Isso é algo que para muitos passa despercebido, exceto para mim. Mesmo que seu rosto exiba o maior sorrido do mundo, seus olhos continuam declamando tristeza por onde quer que vá. Os olhos dela são tristes lendo Leminski, lendo outdoors, lendo cartazes de pais de santo colados em postes de energia elétrica. Os olhos dela são tristes ouvindo música, fazendo exames de rotina, estudando as mil apostilas da faculdade, trabalhando... E são os olhos mais tristes que vi na vida, dentre os milhões de olhos que observo por aí. Ela tem olhos tristes, mas prefere ignorar que esteja triste. Prefere fingir que está tudo bem consigo, do que precisar explicar o motivo desses olhos tristes. Ela, a mulher que olho no espelho agora e que segura um livro nas mãos enquanto espera seu nome ser chamado, tem olhos tristes. E ela nem sabe o porquê disso.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

The diabolical kind

Temos derramado muita tinta, você e eu, na nossa discussão sobre a condição humana, e não estamos mais perto de compreender como estávamos quando nossa correspondência começou. Várias vezes senti como se estivesse em frente a um grande abismo, gritando e me perguntando se a resposta que eu escutava vinha de você, ou se era minha própria voz ecoando de volta pra mim. Parece, do meu lado do cânion, que a busca pela companhia de outra pessoa é a fonte da infelicidade no mundo. Eu vejo Watson, sempre ansiosa para extrair algum significado das convenções sociais dominantes, suportando uma série de rituais de acasalamento organizados. Parece para mim que ela está gradativamente menos satisfeita a cada vez que retorna de um. Eu me comporto como se estivesse acima dos assuntos do coração, principalmente porque eu tenho visto ele corroer as pessoas que eu respeito. Mas, nos meus momentos mais sinceros, às vezes eu me pergunto se eu tomo as atitudes que tomo, porque o amor, na falta de melhor palavra, é um jogo em que eu falhei em entender, então eu prefiro não jogar. No fim, se eu tiver a pureza de todas as minhas convicções, não vou me arrepender tanto das coisas que eu fiz. Nem vou insistir, contra tantos dos meus melhores instintos nessa correspondência. Eu acho você um desafio, um desses que além de tudo o que fez, continua a estimular. E então a conversa fútil pode finalmente continuar, e é onde nós somos levados a nos perguntar: nós simplesmente falhamos em encontrar as respostas às perguntas que nos preocupam... Ou elas não podem ser respondidas no fim? Felizmente, para nós dois o mundo apresenta a próxima diversão... A próxima distração elaborada para os problemas que nos incomodam.

(Sherlock. 2x12)
Elementary

terça-feira, 8 de julho de 2014

Butterflied

- É triste não é? Homens como nós, na meia idade, que deixam o trabalho consumir suas vidas. Só tocamos outras pessoas com luvas de látex. E um dia percebemos que, em 50 anos, não vivemos nada. Mas, de repente, temos uma segunda chance. Aparece uma mulher jovem e bonita. Uma mulher de quem podemos gostar. Nos oferece uma vida nova com ela, mas é uma grande decisão a ser tomada, certo? Temos que arriscar tudo pelo que trabalhamos para tê-la. Eu não arriscaria. Mas o senhor sim. Arriscou tudo e ela lhe mostrou uma vida maravilhosa, não? Contudo ela a tomou de volta e a deu para outro e o senhor se perdeu. E tirou a vida dela. Matou os dois e agora não tem nada.
- Continuo aqui.
- Continua?
(Gil Grissom. 4x16)
CSI: Crime Scene Investigation

domingo, 6 de julho de 2014

Naquela manhã de domingo


Ela colheu flores naquela manhã de domingo. Levou uma cesta e saiu andando vagarosamente no grandioso jardim a céu aberto. O sol incidindo sobre seus cabelos ruivos, fazendo sua pele brilhar ainda mais e chamando minha atenção. Eu a via caminhar, sentado na varanda de casa: ela andava como se fosse conduzida por uma doce melodia, sorrindo majestosamente. E aquele sorriso só existia porque ela adorava domingos de sol, adorava o desabrochar de flores, adorava suas férias naquele jardim e, principalmente, me adorava. Ah, aquele sorriso... Seus olhos percorriam aquele imenso jardim e, de vez em quando, me olhavam só para ter a certeza de que eu ainda a esperava no mesmo lugar. Não demorou até que ela se aproximasse de mim, sorrindo de maneira boba e falasse, orgulhosa, das flores que havia colhido. Logo a casa começaria a mudar de cheiro, aquela mistura de flores silvestres com doce aroma que emanava da pele dela. E, como todos os outros dias, eu me apaixonaria ainda mais pela mulher que adorava colher flores todo domingo.

sábado, 29 de março de 2014

Troca de olhares

 

Ainda me lembro de quando eles trocaram olhares naquela manhã de uma segunda-feira qualquer. Ela odiava segunda e odiava acordar cedo para trabalhar depois de um merecido descanso aos finais de semana. Já ele não tinha nada contra às segundas, mas também não dizia que era seu dia preferido. Desde aquele dia, eles cruzaram olhares quase sempre. Às vezes ela sorria envergonhada ou fingia não ter notado que ele também a observava. Ele já era mais tímido, mas não tirava os olhos dela mesmo quando a menina desviava os olhos. Havia algum tipo de magnetismo que conectava os dois e todos conseguiam enxergar isso, mas eles negavam veemente qualquer coisa. Era engraçado o modo como os dois agiam devido à falta de coragem, afinal eram duas pessoas tímidas.

E então o grande dia chegou. Ele parecia tão decidido em suas ações que, quando menos esperou, viu a menina andar em sua direção e dar-lhe um belo beijo. Todos olharam o casal se beijar ardentemente e, pouco tempo depois, se separar. A timidez retomando o lugar exclusivo que sempre teve, fazendo com que os dois seguissem cada um seu caminho; cada um voltando para sua vida simples. Voltando a se olhar timidamente todos os dias, como se nada tivesse acontecido.