"Aquilo que foi é como o que era.
E aquilo que era é como o que foi."
Olhares irresistíveis se
cruzaram. Havia uma tensão pairando no ar e ninguém sabia o motivo.
Somente ela. Os dois se aproximaram. Corpos em chamas e ele mal sabia: estava
tão apaixonado pela mulher à sua frente que se tornou extremamente
cego. Seus olhos só a viam: os cabelos ruivos, a boca pequena, a presença cada vez mais forte em qualquer cômodo que entrasse. "Sou sua..." era a única coisa que ouvia. Era só o que os tão
delicados lábios avermelhados sussurravam. Eles se abraçaram e uma dança
silenciosa os envolveu. Qualquer um diria que eram pessoas prestes a cometer adultério. E eram. Dois amantes sem outros parceiros. Amantes...
Ela o apertou contra o seio e
esperou o homem ficar sem reação. Ele aspirou o doce cheiro que emanava dos
cabelos desgrenhados e, com os dedos, passeou pelo braço dela até chegar ao
pescoço. Aquela pele tão macia embaixo de seus dedos calejados... Aquela mulher
cortejada por toda a sociedade que os rodeava – aquela patética sociedade – estava lá para ele. Acreditando que ela o pertencia.
"Sinto pena de
você", pensava ela, acariciando-o também.
"O que está em cima é como o que está abaixo,
para realizar os milagres."
A tensão aumentou. Apertando-o ainda
mais contra o peito, esperou que ele a beijasse. Não demorou para que isso
ocorresse e ela se preparou. Quando percebeu que ele estava extasiado, retirou
o punhal escondido em seu vestido e sorriu. A hora chegou. Então respirou
profundamente e, murmurando palavras que ele não compreendeu, cravou-lhe a arma
nas costas. Num primeiro momento houve apenas o susto, mas logo ele percebeu o
acontecera. Traição. Pura e simples traição. E ele não conseguiu pronunciar
nenhuma palavra. Sem se mover, ela esperou o corpo cair
ao chão. O punhal em suas mãos delicadas e sujas de sangue. Com um sorriso malicioso, ela observou a vida o abandonar num último suspiro. Rondou o corpo, abaixou-se e tocou o rosto do homem, antes de tocar o lugar em que o apunhalara. Ainda com o sorriso, saiu do recinto, deixando para
trás aquele corpo sem vida.
"O que está abaixo é como o que está acima,
para realizar os milagres."