quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Você


Você acorda e percebe que não deveria ter aberto os olhos naquela manhã. Sente que as coisas continuarão dando errado e tenta dormir novamente. Vã tentativa. Se mexe na cama várias vezes até que desiste e levanta. O banheiro parece distante e escuro, mas você caminha confiante e escancara a porta, ligando a torneira e jogando água no rosto para acordar completamente. O dia, nublado, condiz com seus pensamentos ao acordar. "Pegue aquela lâmina", eles dizem. Uma luta invisível é travada dentro de sua cabeça, até que ela é vencida  pelo menos aquela batalha foi  e então desce para tomar café.
Ela não está mais lá para fazer seu café. Parado, olha para a cafeteira e lembra do sorriso que ela sempre lhe lançava, o sorriso mais lindo que vira em toda a sua existência... Para em seguida recordar das lágrimas que caiam dos olhos dela na última vez que a vira. Você balança a cabeça negativamente e faz seu café, descontente. Arruma-se para ir ao trabalho e sai com o carro. A rua está deserta, mas você nem nota que não há nenhuma alma viva caminhando. Ninguém. E então, praticamente no meio do caminho, depois de quase meia hora de viagem, lembra que é feriado e, portanto, não haverá expediente.
– Meu Deus...  murmura para si mesmo, entredentes.
Você respira profundamente e retorna para casa, por um caminho diferente. Era ela que estava em seu pensamento. O tempo parou de trabalhar depois que ela se foi e só deixou lembranças que invadem a cabeça sem nenhuma introdução de que isso irá acontecer. De maneira vivida, recorda do dia em que chegou em casa depois do trabalho e a viu retirando todas as coisas do armário. O vestido vermelho  que você tanto censurou, mas que adorava secretamente por contrastar com a pele branca e macia que ela tinha  jogado numa das malas. As lingeries que ela usava para seduzir e que você amava tirá-las devagar nos momentos entre quatro paredes.
E as lágrimas novamente.
Você sente vontade de chorar ainda no carro, mas afasta qualquer pensamento que deixe aquele nó horrível na garganta. Finalmente estaciona em casa e, com má vontade, entra e caminha automaticamente para o quarto. A presença dela parece cada vez mais viva ali dentro, mas você não consegue se desfazer de nada. Absolutamente nada.
No quarto, o corpo inerte cai na cama e você esconde o rosto no travesseiro. E, ali, as lágrimas começam a cair descontroladamente. Depois de muito tempo, desde que ela se fora, você se permite fazer isso.
Então o sono vem, em meio às lágrimas e à saudade de sua esposa.